quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

E se Ronaldo tivesse nascido quarenta anos antes?

O primeiro post deste blog foi escrito em 2007. À época, eu supunha poder indicá-lo para a seção "E se...", da Revista Trivela, no entanto soube, pouco depois de redigi-lo, que a seção não mais existiria. No fantástico site Balípodo, de Ubiratan Leal, idealizador desses "passeios por realidades alternativas", como ele próprio define, há vários outros "E se...", indubitavelmente melhores do que este aqui. Feliz 2011 para todos os meus três ou quatro leitores.


Ah, as maravilhas da moderna medicina esportiva... Quantos craques do passado teriam sido mais do que foram se tivessem usufruído delas? Ronaldo Nazário que o diga. Com 16 anos, suas arrancadas já impressionavam quem o via jogar no estádio Figueira de Melo, trajando o uniforme do São Cristóvão. Em 1956, depois de quase conseguir levar o clube do subúrbio carioca ao segundo título de sua história (trinta anos após o primeiro), foi finalmente comprado pelo Flamengo, seu time de infância. Contava então 20 anos e era tido como o melhor centroavante do futebol do Rio, à frente de Vavá, Paulinho Valentim e Valdo. Seus “rushes” rumo à área adversária lembravam muito Ademir, o Queixada, a ponto de ele ficar conhecido como Ronaldo, o Dentada. As contusões ainda não o atormentavam. Os gols e os dribles abundavam. As mulheres também.

Apesar do estrondoso sucesso da fugaz parceria com Dida no Flamengo, Ronaldo transferiu-se para o São Paulo em 1957, alegando que os dirigentes rubro-negros não cumpriram o que haviam prometido. No tricolor paulistano, sagrou-se campeão ao lado de Maurinho, Zizinho e Canhoteiro. O bom salário lhe permitiu realizar um sonho: a abertura da confeitaria R9, novo ponto de encontro da Rua Augusta.

Ninguém duvidava da presença de Ronaldo na Copa de 1958. Quatro anos antes, seu nome aparecera em algumas especulações, mas Zezé Moreira não se entusiasmara. Afinal, para mudar a imagem deixada em 1950, eram necessários homens de fibra, e não goleadores púberes. Além disso, não existia essa história de preparar o jovem para o Mundial seguinte. Mas, às vésperas da Copa de 58, Ronaldo, embora ainda muito novo – não havia completado 22 anos – era unanimidade. Vicente Feola resolveu não inventar muito: escalou Joel, Ronaldo e Dida em toda a campanha na Suécia. Os três haviam jogado por música no Flamengo e deram grandes bailes na Copa, inibindo as vozes que defendiam as presenças do garoto Pelé e do maroto Garrincha no onze titular.

No dia da grande final diante dos anfitriões, Ronaldo, até então uma das grandes figuras daquele Mundial, passou mal na concentração. Alguns consideraram sua crise convulsiva um efeito colateral das infiltrações que vinha tomando, para aliviar algumas dores. Outros preferiram enxergar um ataque de amarelite aguda, a mesma que havia derrubado o Brasil em outras Copas. Éramos um povo fraco, sem moral, sem equilíbrio, sem virtude de espírito, diziam os detratores da pátria-mãe. Podia ter sido diferente se Feola tivesse optado por lançar o reserva Vavá. Um letárgico Ronaldo e seus dez companheiros emocionalmente abalados – entre eles Zagalo, que, segundo algumas versões do episódio, convenceu a comissão técnica a pôr o “Dentada” em campo – foram surrados pela Suécia: 5 a 2, com direito a hat-trick de Kurt Hamrin.

Ronaldo virou símbolo de uma onda de pessimismo que tomou conta do país. A taça do mundo não era nossa. Esta era uma terra estragada pelos erros do passado. Demorávamos cinquenta anos para andar cinco. Talvez a Bossa Nova não fosse lá essas coisas. Ronaldo ficou deprimido e ganhou quilos. Muitos quilos. Tantos que, numa tarde no Pacaembu, o joelho não aguentou. Quem viu de perto a careta medonha do craque e ouviu seu grito lancinante soube que aquela articulação toda retorcida era o precoce ponto final de uma carreira que podia ter sido longeva e muito vitoriosa.

Um ano se passou. Dois. Três... Cinco. Ronaldo tentou voltar, no São Cri-Cri, mas os grilos em sua cabeça já eram tão grandes quanto as dores nas juntas. Os verdadeiros amigos de Bento Ribeiro contribuíram para que seu fim não fosse como o de Heleno de Freitas, ou como o do contemporâneo Garrincha. Hoje, Ronaldo Nazário, 74 anos, mora numa casinha do velho bairro, onde, aos domingos, costuma reunir a família para um tradicional frango com macarrão. Entre uma garfada e outra, o velho “Dentada” dá uma espiada nos jogos da Inter, do Barcelona, do Milan e do Real Madrid. E fica pensando...