sábado, 9 de fevereiro de 2013

Maior que Mourinho

 Técnico português agride o futebol mundial ao privá-lo das exibições de  Kaká, um dos grandes jogadores deste século
 
            Às vésperas do mais aguardado embate das oitavas-de-final da Champions League (Real Madrid x Manchester United, naturalmente), Alex Ferguson deve estar aflito com a fraquíssima atuação diante do limitado Fulham. Preocupa-o, também, a volúpia com que o ex-pupilo Cristiano Ronaldo irá para cima de uma defesa que, nesta temporada, tem se revelado um tanto frágil. Mas há algo que conforta sir Alex, e não estamos falando da capacidade nem da experiência do ótimo duo Rooney / Van Persie. Tampouco se trata do fato de o Man Utd jogar a segunda partida em Old Trafford. O alento de Ferguson consiste na probabilíssima ausência, em ambos os duelos, de alguém que, num passado nem tão distante assim, derrubou implacavelmente a sua fortaleza, fazendo dois fantásticos gols em Manchester e mais um em Milão.
 
            O ano era 2007, e o demolidor em questão era Kaká, que, meses depois da semifinal de Champions League contra a equipe de Ferguson, seria eleito o melhor jogador do mundo. Naquela edição da copa continental − da qual foi artilheiro, com 10 gols −, Kaká já fizera um golaço contra o Celtic, conduzindo o Milan às quartas. E voltaria a ser decisivo na final, construindo uns ¾ do tento de Inzaghi, o segundo da vitória de 2 a 1 sobre o Liverpool. Revanche da decisão de 2005, em Istambul, na qual, diga-se de passagem, Kaká foi o melhor do primeiro tempo arrasador do Milan. O assombroso lançamento para um dos gols de Hernán Crespo está, tal como o rush que provocou a estrambótica colisão de defensores do Manchester United em 2007, no numeroso rol de grandiosas jogadas de Kaká na mais importante competição clubística do planeta.
 
            Ninguém poderia prever que, seis anos depois, um jogador desse naipe, aparentemente em boas condições atléticas (recentes aparições na seleção brasileira o atestam), estaria encostado numa interminável suplência. Nas duas últimas temporadas, o Real Madrid abdicou, em etapas bem avançadas da Champions League, de um craque talhado para batalhas intensas e cruentas. Não há explicação técnica para a predileção por Di María, Modric, Benzema ou Higuaín, principalmente em situações extremas. Nem o ótimo Özil justifica um Kaká preterido. Poderia haver algum componente físico envolvido; os cinco concorrentes, afinal, são mais jovens e têm jogado com frequência maior; no entanto, como adquirir ritmo de jogo se, com a liga nacional perdida e com a vaga na próxima Champions League praticamente assegurada, o técnico não o escala nem contra o Granada?
 
            Não é novidade que, por trás desse desprezo, há muito mais do que meras opções táticas. Matérias como a do jornal El País levantaram suspeitas sobre a isenção de Mourinho na hora de selecionar quem vai a campo. Caso a influência do poderoso empresário Jorge Mendes – agente de Mourinho e de vários jogadores do time merengue – realmente interfira na relação entre o treinador lusitano e seus comandados, como afirma o pai de Kaká na referida reportagem, a subutilização de Kaká entra numa seara nebulosa e repulsiva. Prefiro acreditar em incompatibilidade de gênios, fogueira de vaidades, implicância tacanha, qualquer fator extracampo verossímil que combine com o egocentrismo de Mourinho e afaste a teoria conspiratória. Porque esta, se comprovada, poderia resultar até em constrangimentos para Scolari, cujas negociações no exterior são conduzidas por Jorge Mendes. Como se sabe, Kaká não foi convocado para o amistoso contra a Inglaterra, mesmo tendo jogado muito bem nas últimas partidas da seleção em 2012. Suas atuações sob a batuta de Mano Menezes geraram, inclusive, embaraço para Mourinho, já que o óbvio ficou mais ululante: Kaká não é um traste. 

            O tratamento a ele dispensado, porém, tem sido esse. Não me recordo de outro boicote tão absurdo, que tenha subtraído tanto tempo de jogo de um craque. É uma pena, por exemplo, que, nos confrontos entre Real e Barcelona dos últimos tempos, muitos deles épicos, Kaká não tenha recebido grandes oportunidades. Enquanto Messi e Cristiano Ronaldo puderam aproveitar um período mágico dessa rivalidade, ao meia-atacante brasileiro essa chance foi negada. E ele não foi a única vítima dessa privação – quem aprecia futebol há de ter sentido sua falta. Quem viu Milan 3x0 Manchester United, jogo de volta das semifinais da Champions League 2006/7, sabe do que estou falando. Ferguson estava ali, bem perto, e sabe muito bem. Mas não está sentindo falta alguma.