sábado, 12 de julho de 2014

Marcelo, o elo

Entre os técnicos brasileiros, o cruzeirense seria a melhor escolha para o atual cenário

            Será que, depois do murro que deixou o futebol brasileiro sem sentidos, ainda haverá quem defenda a tese de que apenas o resultado tem relevância? O título de 2002, conquistado com um time que também tinha um estranho vazio no meio-campo – mas que, com sorte, clima de família, atacantes portentosos, laterais fortes e adversários medíocres, acabou levantando a taça – havia deixado a impressão de que o caminho do minimalismo era cômodo e suficiente. Por que convocar Alex e Juninho Pernambucano e ter o trabalho de arquitetar um jogo mais engenhoso, se a vitória podia vir com voluntariosos cabeças-de-área e jogadas epifânicas do poderoso ataque? O êxito na Ásia fermentou em demasia a receita do pragmatismo absoluto. Se vencíamos daquele jeito, devia estar tudo certo por aqui. Calendário? Base? Regulamentos? Presença nos estádios? Estudos táticos? Patacoadas. Somos malandros, sabemos como fazer.

            Foi necessário tomar uma pancada traumatizante. De outra forma, qualquer reflexão mais profunda seria sufocada pelo velho discurso prepotente. Em meia hora, a seleção alemã exprimiu, na linguagem dos gols, o que pessoas sérias, que amam de verdade o futebol, já vinham dizendo há tempos. A diferença é que os sete tentos entraram em todos os lares do Brasil. Pregaram um evangelho que muitos ainda não tinham podido ouvir. Sem versão repaginada, sem filtro global, sem campanhas patrocinadas, sem o alarido dos continuístas, sem o teatro mambembe das coletivas, sem o sono que confunde a mente no segundo tempo do jogo pós-novela.

            Para alguns, o aniquilamento que se viu no Mineirão não foi o bastante. A CBF, por exemplo, acena com a possível manutenção da comissão técnica da seleção. Talvez a cavalar dose de absurdo contida nesse posicionamento advenha justamente da patente necessidade de mudança − se aceita a obviedade ululante, a entidade avaliza o clamor por uma reestruturação cujo principal alvo seria ela própria. Então, melhor fingir que não entendeu o que se passou. Está tudo bem. Temos os melhores jogadores. Um técnico vencedor, rei do mata-mata. Estaduais invariavelmente aprovados pelos presidentes das federações. Árbitros preparados, estádios confortáveis. Um reles resultado adverso não pode estragar um trabalho de anos e anos. Muitos anos. Décadas.

            Ainda não dá para saber se tal cinismo prevalecerá ou se as pressões da opinião pública demoverão os detentores do poder. No segundo caso, as discussões acerca do perfil de quem deve assumir a seleção têm espaço importante na pauta de reformulações. Já passou da hora de o Brasil voltar a praticar, num Mundial, o que dele se espera: um futebol envolvente e contagiante, munido de recursos diversificados, apuro tático, criatividade, fluidez. Portanto, a escolha de um novo técnico deve se coadunar com essa necessidade. A gente não quer só taça erguida. A gente quer taça erguida, fruição e arte.

            Apesar dos recentes títulos de Brasileiro, Libertadores e Mundial, credenciais significativas para um postulante ao cobiçado cargo, Tite não parece ser o homem talhado para fazer uma equipe jogar um futebol vistoso, com pitadas de encantamento. Muricy Ramalho e Abel Braga também têm boas coleções de conquistas, mas esbarram na mesma limitação. O problema de Luxemburgo é distinto: alguns dos times por ele comandados encheram os olhos, como convém aos grandes esquadrões, mas o elixir que ele fabricava escorreu por algum ralo há cerca de 10 anos.

            Descartados os figurões do ofício, sobram a alternativa estrangeira ou a aposta em um nome menos badalado do circuito nacional. A primeira opção entre os forasteiros seria, claro, Guardiola, mas talvez ele não deseje abandonar o Bayern a curto prazo, e a questão é urgente (para todo o país, menos a CBF). Afora Pep, não haveria tantas soluções vindas do exterior. Embora Mourinho pudesse causar impacto, o tipo de jogo por ele proposto não satisfaria a sede de fascínio do brasileiro que realmente gosta de futebol.

            Entre os técnicos brasileiros sem tanta grife, Marcelo Oliveira preenche as exigências do atual momento histórico. Ele poderia ser o elo entre a intimidade com o futebol moderno e a estima pela magia do passado. Magia presente num certo Brasil 8x0 Bolívia de 14 de julho de 1977, que qualificou a seleção para a Copa do ano seguinte. Essa foi a mais importante das sete partidas de Marcelo pela seleção, e ele assinalou o último gol. A assistência foi de Reinaldo, de calcanhar. O atual técnico do Cruzeiro acabou não sendo chamado para o Mundial da Argentina. Vejamos por que ele atende aos requisitos para ir ao da Rússia:

1- Marcelo sabe selecionar
As convocações das últimas Copas foram bem problemáticas. Este já é o segundo Mundial seguido em que o técnico olha para o banco e fica desolado. No Cruzeiro, a situação é oposta: Marcelo encontra entre os reservas um farto rol de substitutos à altura dos titulares. Isso se dá graças à sua habilidade para indicar contratações. Enquanto outros técnicos incham o elenco apontando vários medalhões decadentes que, depois de poucos meses sem brilho, ficam encostados, Marcelo consegue, com o olho clínico de quem trabalhou em categorias de base, prover ao time as peças certas. Ricardo Goulart, Éverton Ribeiro e William, que se entenderam muito bem em 2013, são ótimos exemplos disso. Os três se revezaram com os veteranos Dagoberto, Borges e Júlio Baptista, numa mescla equilibrada que proporcionou ao Cruzeiro seu mais importante troféu recente. É simples: selecionador precisa saber selecionar. E Marcelo sabe.

2- Marcelo é sereno
Chega de treinadores beligerantes. As entrevistas coletivas se transformam em combates verbais repletos de estocadas, alfinetadas, ironias e desconfiança mútua. A seleção anseia por um técnico que não necessite de inimigos. Nem na imprensa, nem na arbitragem. Um técnico que poupe suas energias para criar estratégias, examinar os oponentes, incrementar o jogo de sua equipe. Marcelo se encaixa nesse perfil. Seus depoimentos, mesmo em circunstâncias estressantes, costumam ser tranquilos e lúcidos.

3- Marcelo aprecia o futebol bem jogado
            “Nosso time é calculista, mesmo”, disse Muricy ao fim de Botafogo 0x2 São Paulo, partida crucial do Campeonato Brasileiro de 2007. Era o auge do Muricybol, “método” vencedor e chatíssimo. O Corinthians de Tite e o Fluminense de Abel também não eram agradáveis de se ver. A medonha inclinação dos campeões brasileiros para um futebol feioso deu uma pausa no ano passado, quando o Cruzeiro, sob a batuta de Marcelo Oliveira, fez exibições empolgantes. Das 20 equipes da Série A de 2014, a da Raposa é talvez a única que não fica refém da correria ou do chuveirinho, pois se sente à vontade para tabelar pelo meio e cria espaços para o arremate de longa distância. Marcelo valoriza o casamento de estilos individuais, e o que se vê em campo é um conjunto entrosado, harmonioso. O Coritiba de 2011 também contava com essas valências.

4- Marcelo aplicou 6 em Felipão
            Na Copa do Brasil de 2011, o Coxa esmagou o Palmeiras, no Couto Pereira. Quatro gols no primeiro tempo e mais dois no segundo decretaram a segunda pior derrota de Scolari em sua carreira de treinador.

5- Marcelo está em alta
            Futebol é momento, diz o axioma. Assim como os jogadores, técnicos têm fases. Em 2010, Dorival Júnior vinha de trabalhos bem-sucedidos em grandes clubes e montou um Santos cintilante. Fazia sentido, à época, cogitá-lo para a seleção. Ele estava com confiança. Hoje, ninguém pensaria em indicá-lo. Marcelo Oliveira está em alta há alguns anos. Deve-se aproveitar a fase boa de um técnico competente. É mais sensato do que pinçar um novato com fama (como Falcão e Dunga) ou jogar as fichas num expoente ultrapassado. 

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Amanhã não é 23


Felipão fala em “12, 13, 14”, mas a verdade é que, dos 23 jogadores por ele convocados, pouquíssimos deverão atuar no Mundial de 2018
 

            Felipão deu pistas, na entrevista coletiva de hoje à tarde, de que acalenta a esperança de dirigir a seleção em mais um Mundial. Seria um contrassenso. Por muito menos, vários outros treinadores de seleção foram demitidos. Mas digamos que a CBF, afeita a ideias descabidas, comprasse o sonho. Teria o “gaúcho de bigode”, como diz a propaganda de um refrigerante, coragem de levar, para o Mundial da Rússia, a base do time humilhado em 2014?

            Crê-se que não, apesar de ele próprio ter preconizado que 12, 13 ou 14 atletas do atual plantel estarão na próxima Copa. E, se houver mudança no comando – essa é a consequência normal para a calamitosa derrota de ontem −, fica ainda mais forte o pendor para mudanças substanciais no grupo de jogadores.

            Leia, abaixo, análises sobre as perspectivas dos 23 escolhidos de Felipão quanto à disputa da Copa de 2018. Os que vêm acompanhados de um NÃO parecem cartas fora do baralho. DIFICILMENTE, POSSIVELMENTE, PROVAVELMENTE e SIM são os outros graus da escala estabelecida.

            É importante salientar que a avaliação aqui realizada tomou como certa a substituição no cargo de treinador. Adiantamos que há apenas um SIM e um PROVAVELMENTE na lista. Há quatro ocorrências de DIFICILMENTE, seis de POSSIVELMENTE e onze de NÃO.
 

Júlio César - NÃO

O ciclo do titular brasileiro em duas Copas acabou. Carreira clubística decadente e idade pesam, mas a certeza do fim da linha também vem do fardo emocional que ele insiste em carregar. Tentou livrar-se dele após o heroísmo contra o Chile, mas o desabafo acabou se revelando precipitado.
 

Victor - DIFICILMENTE

Disse, antes da Copa, que a geração atual de goleiros brasileiros é a melhor de toda a história. A geração anterior a esta contou com Marcos, Dida e Ceni. Não deve ir à Rússia.
 

Jefferson - POSSIVELMENTE

Embora seja um bom goleiro, nunca foi aposta unânime para a baliza brasileira. Sua continuidade na seleção dependerá das predileções do novo técnico e dos rumos profissionais. Chances moderadas.

 
Maicon - NÃO

Estará com 36 anos no próximo Mundial. Para um lateral cujas virtudes dependem do vigor físico, 2018 parece ser um horizonte inalcançável. Além disso, há também o desgaste de dois fracassos em Copas.

 
Daniel Alves - NÃO

Barrado no transcurso da competição e em queda técnica, é outro veterano que não será aproveitado no próximo Mundial.
 

Marcelo - DIFICILMENTE

Reserva no Real Madrid, o habilidoso Marcelo fez uma Copa com a cara de sua trajetória: um tanto irregular. Apesar da juventude (contará apenas 30 anos em 2018), é nome quase descartado num ambiente que anseia por renovação.
 

Maxwell – NÃO

A crise na lateral esquerda é mundial, tanto que o limitadíssimo Höwedes ocupa a posição na forte equipe alemã. A presença de Maxwell na Copa também exemplifica a carência. Talvez nunca mais volte a ser convocado.
 

Thiago Silva - POSSIVELMENTE

O fato de não ter participado da tragédia no Mineirão reforça sua natural candidatura a 2018. Por outro lado, o capitão foi, em determinado momento do certame, o símbolo da fragilidade emocional do grupo. O choro pode respingar em seu futuro na seleção.
 

David Luiz - POSSIVELMENTE

Imediatamente após a hecatombe, declarou que ainda almeja ganhar uma Copa. Terá 31 anos em 2018. Destacou-se em algumas partidas do Mundial, mas a imagem tão profundamente vinculada a esta sofrida campanha em casa pode minar seu caminho.
 

Dante - NÃO

O vídeo dos gols da fatídica semifinal, que será reproduzido à exaustão por muito tempo, mostra Dante desnorteado, correndo a esmo. As cenas, ao contrário de o condenarem, absolvem-no de não ter tentado reagir. O beque do Bayern não teve culpa alguma, mas não é mais um garoto e deve deixar a seleção.
 

Henrique - NÃO

Homem de confiança de um técnico que não deve permanecer no cargo. Foi um dos poucos nomes questionados numa convocação estranhamente “consensual”. Quase nenhuma chance de ir à Rússia.

 
Paulinho - POSSIVELMENTE

Um dos mais complicados prognósticos. Claudicante em sua temporada de estreia na Europa e em sua primeira Copa, o ídolo corintiano tem potencial e idade para chegar com fôlego a 2018. Saiu do Mineirão com ferimentos leves, pois não atuou no cataclísmico primeiro tempo.
 

Luiz Gustavo - DIFICILMENTE

Pertence a uma linhagem de volantes que, depois do fiasco histórico, deve perder espaço para meias capazes de marcar e organizar o jogo, como os algozes Schweinsteiger, Khedira, Kroos e Özil. Ainda assim, performances bastante dignas em alguns jogos desta Copa podem assegurar-lhe mais jogos pela seleção.
 

Ramires - POSSIVELMENTE

Não foi titular com Felipão, e isso pode se tornar uma vantagem na concorrência a uma das vagas para 2018. Terá 31 anos e, se ainda estiver rendendo bem num grande clube europeu, poderá ser, na Rússia, um dos poucos brasileiros com dois Mundiais na bagagem. 
 

Hernanes - POSSIVELMENTE

Situação similar à de Ramires. Transferiu-se recentemente para a Inter de Milão, continua evoluindo na carreira. É um dos poucos meio-campistas brasileiros que reúnem faculdades equiparáveis às dos alemães. Estará com 33 anos na próxima Copa.
 

Fernandinho - NÃO

Os erros individuais do meia do Manchester City contra a Alemanha não explicam a goleada, nem anulam suas boas exibições diante de Camarões e Colômbia. Mas, como foi sacado depois da pior primeira etapa da história da seleção, tende a ficar uns tempos distante dela.
 

Hulk - NÃO

Demonstrou muito arrojo e pouca eficácia nesta Copa. Só irá à Rússia se alguém elaborar a teoria de que ter jogado num clube do gélido país pode facilitar o desempenho no Mundial a ser realizado lá.

 
Oscar - PROVAVELMENTE

Excetuando-se o jogo contra a Croácia, não brilhou no Brasil, porém mostrou um nível de comprometimento que costuma agradar aos técnicos. É bastante jovem, fez dois gols neste Mundial e exibiu capacidade para disputar outros.
 

Willian - NÃO

Ele não sabe muito bem quem é Amarildo. Infelizmente, o desconhecimento da História do futebol é comum entre jogadores brasileiros. Talvez por isso William não tenha feito história nesta Copa. Palpite, valendo um guaraná: não joga em 2018.
 

Neymar - SIM

Único personagem de 2014 que pode aguardar, sem receio, as cenas do próximo capítulo. Nome garantido para toda a longa jornada até o Mundial da Rússia.

 
Bernard - DIFICILMENTE

Bom atacante que cumpriu um ótimo biênio 2012/13 pelo Galo, precisa se afirmar no futebol europeu e superar a traumática derrota no familiar Mineirão. Caso contrário, não aparecerá no álbum em 2018.
 

Jô - NÃO

Uma das escolhas equivocadas da convocação de Scolari. Estará certamente fora da órbita do treinador incumbido de comandar a seleção nos anos vindouros.

 
Fred - NÃO

Numa entrevista concedida ao jornal O Globo, no fim de maio, Fred esbanjava otimismo. Nada, entretanto, saiu conforme o esperado. É provável que não volte a ser chamado.

terça-feira, 8 de julho de 2014

Três pequenos comentários sobre o vexame

1- Felipão está na entrevista coletiva. O treinador afirma que a Alemanha passou, nas últimas duas Copas, por experiências equivalentes à que o Brasil vivencia agora. Quer dar a entender que a derrota pode ser o primeiro passo para uma eventual redenção daqui a quatro anos. A analogia me parece imperfeita. Em 2010, a Alemanha bateu Inglaterra e Argentina nas oitavas e nas quartas, respectivamente, com goleadas estupendas. Já o Brasil superou, nas mesmas fases de 2014, Chile e Colômbia, mas jogando mal, fazendo parcos gols com a ajuda da bola parada. Os fracassos recentes da Alemanha foram muito diferentes.

2- Se, em 1994, havia imensa ansiedade por título, já que o Brasil não ganhava uma Copa desde 1970, a ansiedade agora é outra. O jejum de taças não é tão grande, mas a ausência de bom futebol em Copas é longa e estarrecedora. O futebol brasileiro anseia pela antiga magia a que Schweinsteiger fizera menção dois dias antes da partida. Em 90, 94, 98, 2002, 2006, 2010 e 2014, não houve plateias embevecidas com o escrete canarinho. Houve, sim, muita gente obcecada por engordar o seu currículo, enfeitar seu portfólio, condecorar seu mandato, fosse como fosse. Enquanto a prioridade não voltar a ser praticar o jogo de forma virtuosa, não haverá futuro.


3- Na Copa Sul-Americana de 2011, a Universidad de Chile esmagou o Flamengo, no Engenhão, por 4 a 0. Atuação histórica, pondo o rubro-negro na roda. Sampaoli dirigia a equipe chilena. Luxemburgo era o técnico do Flamengo. Meses depois, o Barcelona massacrou o Santos na decisão do Mundial de Clubes. Guardiola nocauteou Muricy. Faltava apenas um dentre os três mais prestigiados técnicos do Brasil nas últimas décadas levar uma sova histórica de algum adversário estrangeiro. Não falta mais. O time de Löw destruiu implacavelmente o de Felipão.