Mourinho venceu o
clássico ao deixar o lateral barcelonista livre
Procurei muito por estatísticas
que me informassem o tempo de posse de bola individual durante “El clásico” de
ontem. Não encontrei. Ainda assim, sou capaz de garantir que quem mais tocou na
bola foi Daniel Alves. Não porque tenha se multiplicado em campo, em atuação
primorosa. Longe disso. O brasileiro aparecia a todo instante com a pelota nos
pés porque Mourinho quis assim.
Li trezentas crônicas sobre a
partida, ouvi uma penca de comentaristas de TV e nada. Ninguém percebeu.
Falou-se genericamente sobre uma nova forma de anular o Barcelona, supostamente
descoberta pelo técnico português, mas ninguém notou que a tal marcação se deu
por meio de uma não-marcação. Nem Guardiola atinou com a estratégia. Caso
contrário, teria tirado Dani Alves do jogo.
Veja a reprise. Bola com o
Barcelona. Pelo meio, os comandados de Guardiola têm dificuldade de executar
sua habitualmente estonteante troca de passes, visto que todo o Real Madrid
está ali. Sobram merengues no bloqueio central, já que o flanco está
propositalmente liberado. Cercado e acossado numa selva branca, o time
azul-grená é incitado a despejar a bola para a clareira na direita. Sem sentir,
apenas por um desejo instintivo de recuperar o ar num ambiente tão asfixiante,
o melhor time do planeta faz exatamente o que Mourinho vislumbrara, num insight
maquiavélico. Repetidas bolas com Daniel Alves – que não é um virtuose e,
sozinho, pouco pode fazer – significam muitos cruzamentos, pois as opções de
tabela estão vigiadas pelo Real. E bola alçada não é da alçada deste Barcelona.
Se David Villa (faz muita falta,
assim como o ótimo e subestimado Abidal) estivesse em campo, ainda haveria
alguma esperança para o chuveirinho que o Barça foi obrigado a praticar. Sem
ele, e com os defensores merengues (Gullivers perto dos liliputianos catalães)
espanando todas as bolas, a opção que restava a Guardiola era sacar Daniel
Alves, substituindo-o por Piqué. Messi passaria a ocupar o corredor ofensivo da
direita, medida que esgarçaria a barreira madridista.
Essa mudança deveria ter sido
operada bem cedo, no máximo durante o intervalo, acompanhada de outras, como
Fábregas e Sánchez (ou Pedro) nos postos de Tello e Thiago. A aposta no jovem
(e verde) Tello revelou-se um erro muito antes do segundo tempo, e só o receio
de queimá-lo pode explicar o fato de Guardiola o ter tirado tão tardiamente.
O campeonato espanhol acabou para
o Barcelona, e atrevo-me a dizer que somente uma vitória sobre o Real numa das
possíveis finais de Champions League apagaria o dissabor do fracasso no Camp
Nou. Nem um eventual triunfo sobre o Bayern apaziguaria por completo a equipe
catalã, que precisa de uma chance para provar que ainda é a melhor, que supera
qualquer retranca, mesmo quando a retranca finge, cínica e genialmente, que um
dos adversários, ali pela direita, não existe.