segunda-feira, 13 de agosto de 2012

De medalhistas a medalhões*


A seleção olímpica de 1988 jogou um futebol agradável de se ver e transformou alguns jogadores em ídolos nacionais


Em 1988, o futuro do futebol brasileiro era uma interrogação. O ocaso da geração de Zico, Sócrates e Falcão parecia indicar que os anos sem título mundial se multiplicariam. A bagunça do início do campeonato brasileiro daquele ano – alguns clubes contestaram o regulamento, que previa pênaltis em caso de empate – completava o cenário desolador. Era necessário que algo diferente e empolgante acontecesse. E aconteceu.

Sob o comando de Carlos Alberto Silva, a seleção olímpica ganhou a medalha de prata em Seul, praticando um futebol capaz de provocar, no Brasil, um entusiasmo equiparável ao de uma Copa do Mundo. E não era fogo de palha, não – apagada a pira de Seul, a chama daquela nova geração permaneceria viva, atingindo a temperatura máxima na final da Copa de 1994. Taffarel, Jorginho, Bebeto, Romário e Mazinho, que enfrentaram a Itália de Baggio em Los Angeles, tinham estado seis anos antes em Seul.

A qualidade desses jogadores explica, em parte, a espontânea e calorosa adesão popular à torcida pelo time de 1988. A outra parte da explicação fica por conta do contexto da época. Todos os integrantes da equipe defendiam, no primeiro semestre de 1988 (a Olimpíada começou em setembro), clubes brasileiros, o que facilitava a empatia. Além disso, não havia limite de idade para os convocados, portanto o time não se parecia tanto com uma “seleção de novos” quanto em outras Olimpíadas. Não ter participado de Mundiais era o único pré-requisito para ir aos Jogos.

Outro dado que talvez ajude a esclarecer por que tanta gente madrugou naquele já distante setembro tem a ver com a política. A promulgação da nova Constituição brasileira ocorreria quatro dias depois da decisão do futebol olímpico. A primeira eleição presidencial direta pós-ditadura se aproximava. Respiravam-se ares de redemocratização e esperança. Cada gol de Romário em Seul era comemorado no Brasil com uma inocência que, hoje, parece perdida.

Era outro tempo, sem dúvida. Um tempo em que reunir a seleção por quase três meses era possível. Entre amistosos e torneios, o time olímpico disputou doze partidas em sua longa e caótica preparação, que começou na Austrália e passou por Europa e Estados Unidos, antes de chegar à Coreia do Sul. Nesse meio tempo, o técnico Carlos Alberto Silva reclamou da escassez de informações sobre as seleções que o Brasil encararia na primeira fase da Olimpíada. A muito custo, ele havia conseguido, na Áustria, uma fita da Iugoslávia, mas sua transcodificação custava muito caro. Vinte anos depois, o problema tem cara de pré-história.

Mas nem tudo está tão diferente. A cessão de jogadores que atuam no exterior já era complicada. Valdo e Ricardo Gomes não foram liberados pelo Benfica, que exigiu garantias financeiras com as quais a CBF não quis arcar. A distância entre o futebol e as outras modalidades olímpicas também já existia – o Brasil disputou a primeira fase na cidade de Taejon (onde, segundo o ex-jogador Neto, comeu-se muito cachorro), e houve jogos das demais chaves em Taegu, Pusan e Kwangju, enquanto todos os outros esportes se fixaram em Seul.


Os “pratagonistas” do time


“Ele nunca soltava a bola errado”, lembra o técnico Carlos Alberto Silva. “Ele era o cimento da equipe”, metaforiza o preparador físico Bebeto de Oliveira. Ambos estão falando de Geovani, o capitão do time, que não chegaria a disputar nenhuma Copa, mas que, em 1988, desfrutou do status de maior craque do futebol brasileiro. Autor do gol que eliminou a Argentina nas quartas-de-final, o habilidoso meia tomou o segundo cartão amarelo na semifinal diante da Alemanha e desfalcou o Brasil na decisão contra a URSS, tal como o cabeça-de-área Ademir. “A ausência desses dois titulares foi crucial”, comenta Carlos A. Silva. “Tínhamos muito pouco tempo para treinar uma nova formação; o meio-campo perdeu um pouco a pegada”, arremata o treinador.

Se Geovani era o pilar do meio, atrás esse papel coube a Taffarel. “Existia um tabu de que goleiro só servia para a seleção depois dos 26 anos. Ali se consagrou um com 19”, diz o técnico, subtraindo três anos da verdadeira idade de Taffarel em 1988. O gentil equívoco talvez tenha sido uma inconsciente retribuição aos três pênaltis defendidos (um no tempo normal e dois após a prorrogação) na partida mais difícil e emocionante da campanha, frente à Alemanha de Hässler e Klinsmann.

Além de Taffarel, sobressaiu na defesa o zagueiro André Cruz, que completou 20 anos no dia da vitória sobre a Austrália, válida pela primeira fase. Nessa partida, assim como na seguinte, contra a forte Iugoslávia, Cruz atuou improvisado na lateral-esquerda. E foi dali que, diante dos iugoslavos, munidos de Katanec, Stojkovic e Suker, o ponte-pretano anotou um espetacular gol de falta, abrindo o marcador. Sua presença no torneio só não foi impecável devido ao deslize que ofereceu a Savichev uma clara chance de fazer 2 a 1 na prorrogação da final. O atacante soviético aproveitou bem, encobrindo Taffarel.

Na visão de Neto, o posto de destaque individual brasileiro em Seul fica dividido entre o loirinho gaúcho e um certo tampinha carioca, que fez sete gols na competição e despertou a cobiça de clubes europeus. “Romário é o melhor de todos os tempos, depois de Pelé”, opina o comentarista da TV Bandeirantes. Bebeto de Oliveira ressalta uma característica que o Romário mais maduro perderia: “O grande craque de anos depois não se comparava àquele menino, com aquela velocidade fantástica”.

Com tantos aspirantes a estrela, a vaidade atrapalhava? “Não, o ambiente era sensacional, embora eu não acredite muito nesse negócio de união”, avalia Neto, que via Andrade, o mais experiente do grupo, como um ídolo: “Eu tinha até vergonha de falar com ele”, conta. O volante flamenguista acabara de ser vendido ao futebol da Europa, destino comum a grande parte dos que foram aos Jogos Olímpicos de 88. Comparado aos padrões atuais, o êxodo foi tímido e lento, mas, até aquele desfecho de anos 80, não tinha havido nada igual.

Alguns medalhistas, como Andrade e Geovani, não tiveram sucesso no exterior, e outros bons jogadores acabaram não se firmando como figurinhas carimbadas, casos do zagueiro Batista, do meia Mílton e do atacante Careca. O saldo geral da geração Seul, porém, foi bastante positivo e confirmou o valor do trabalho de renovação desenvolvido por Carlos Alberto Silva. Só ficou faltando o ouro. O ponta João Paulo, que entrou no lugar de Bebeto durante a final, resume o que passou pela sua cabeça no pódio: “A sorte não ajudou. Tínhamos um time superior, pressionamos, perdemos gol. Na hora, foi uma grande decepção. Mas hoje a gente vê que a medalha de prata representou muito”.

*Escrevi esta matéria para a Revista Trivela, edição de agosto de 2008. A versão da revista está um pouco modificada e mais curta, devido à edição.

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