Miroslav
Klose não jogou a decisão do 3º lugar em 2010. Não podia ou não quis?
Um dos jogos mais descontraídos em
Copas do Mundo é o da disputa pela terceira colocação. Já não há mais a sanha
de apalpar a taça, nem o perigo de passar um grande vexame. As pernas ficam
menos tesas e as mentes, mais frescas. Não é mero fruto do acaso, portanto, a
média exata de 4 gols em partidas desse tipo na história dos Mundiais.
Artilheiros de algumas edições aproveitaram bem a ocasião, isolando-se no honroso
posto ou ampliando a marca. Incluem-se no rol Leônidas da Silva (em 1938, fez 2
de seus 7 gols na decisão do 3º lugar), Fontaine (4 dos 13 em 1958) Eusébio (1
de seus 9 tentos em 66), Lato (1 dos 7 em 74), Schilacci (1 dos 6 em 1990),
Suker (1 dos 6 em 1998), Thomas Müller e Forlán (ambos marcaram em 2010).
Miroslav Klose podia estar nessa
lista. Autor de 4 gols na África do Sul, ele desfalcou a Alemanha no duelo com
os uruguaios, que, seguindo a regra, teve muitos gols – 3 a 2 para os
germânicos. Tivesse entrado em campo, Klose poderia ter alcançado não apenas a
artilharia daquela Copa, mas também a posição mais alta do ranking de
goleadores de todos os Mundiais. Um gol contra o Uruguai o teria posto ao lado
de Ronaldo. Dois o teriam deixado sozinho no topo, com 16. Mas o camisa 11 da
Alemanha ficou no banco.
Segundo consta, a razão da ausência
foi uma gripe. Ou dor nas costas, oriunda, disseram os jornais, da batalha
contra a Espanha. Buscas no google mostram as duas possibilidades, e nenhuma
delas soa convincente o bastante. Afinal, como um centroavante de 32 anos ─ em
sua última Copa, presumivelmente −, próximo de um recorde tão cobiçado,
pertencente por décadas ao estupendo compatriota Gerd Müller, pode deixar uma
gripe estragar tudo? E, se não houve tosse nem coriza (as informações são, como
já se disse, imprecisas), por que a dor lombar não o tirara sequer por um
minuto do jogo frente aos espanhóis?
A hipótese que se pretende aventar
aqui é a seguinte: Miroslav Klose não desfalcou a Alemanha em seu último
compromisso na Copa de 2010 por motivos médicos, mas sim por vontade própria.
Teria sido conveniente enfrentar o Uruguai e aproveitar o relaxamento inerente
à ocasião para empatar com Ronaldo, talvez superá-lo. “Miro”, no entanto,
preferiu – pura especulação – encarar o desafio de se manter competitivo até
2014.
Caso tenha existido esse ousado
plano, vê-se que acabou dando certo. No Brasil, Klose disporá de alguns jogos
para bater o Fenômeno. Terá, ainda, a chance de atingir outras marcas
importantes, como a de jogador com mais partidas de Copas no currículo: Lothar
Matthäus tem 25, Klose pode chegar a 26. Com qualquer mísero gol, terá balançado
o fundo do barbante em 4 Copas (2002, 2006, 2010 e 2014), igualando-se, assim,
a Pelé e Uwe Seeler, mitos que carimbaram as metas adversárias em 1958, 1962,
1966 e 1970.
Embora não passe de conjectura, a “autobarração”
de Klose revela certa sintonia com suas atitudes ao longo da carreira. Não se
trata, portanto, de uma ideia totalmente desprovida de fundamento. À distância,
Klose parece ser um cara que não aprecia a vantagem fácil, a glória sem luta. Em
2005, chegou a pedir ao árbitro de Werder Bremen (time que defendia à época) x
Arminia Bielefeld que voltasse atrás na marcação de um pênalti a seu favor, dizendo-lhe
que o goleiro procurara apenas a bola. Sete anos depois, vestindo as cores da
Lazio num jogo contra o Napoli, outro gesto raríssimo nas canchas: depois de um
escanteio que resultou em gol, Klose correu em direção ao juiz para lhe
confessar o toque de mão. Os atletas napolitanos agradeceram, quase comovidos.
O futebol, também.
A conduta do atacante nesses dois
episódios encontra ressonância nos versos de “Dieser Weg”, sua canção predileta
(“Este caminho não será fácil / Este caminho será tortuoso e difícil / Você não
vai estar de acordo com muitos / Mas esta vida oferece muito mais”), e reforça
a teoria de que ele renunciou à bandeja com faca e queijo de 2010. Um jogador
que conhece tão bem o sentido da relação entre mérito e recompensa pode, sim,
sem nenhum autoflagelo, ter exigido de si mesmo um esforço extra, o cumprimento
de um pacto secreto. “Você é um jogador mediano, Miroslav”, teria dito ele a si
próprio. “Para ultrapassar gênios como ‘Der Bomber’ e o Fenômeno, você precisa
merecer mais”.
É claro que isso tudo pode ser
uma grande fantasia. Vai ver que a gripe era das brabas, mesmo. Ou que a dor
nas costas estava realmente incomodando. Quem sabe as duas coisas juntas. Mas
eu prefiro acreditar que Klose não quis fechar a conta em 2010. E que esta vida
lhe oferece muito mais para 2014. Boa Copa, Miro!