Em
dezembro de 1987, comprei meu primeiro Jornal dos Sports. À época eu não sabia,
mas a caminhada do moleque de 11 anos, por iniciativa própria, até a banca do
Seu Lupércio, naquela distante manhã nublada, era um momento histórico, o
início de um contato mais profundo entre o pequeno torcedor e a imprensa
esportiva escrita. Eu já tinha certa intimidade com o rádio (José Carlos Araújo
narrando o gol de Tita na final do Carioca de 87, um marco...), mas com os
periódicos a proximidade começava ali. Naquela edição do velho jornal
cor-de-rosa, alguns jornalistas elegiam a seleção JS do campeonato brasileiro
daquele ano, a famosa Copa União. Aquilo despertou em mim alguma espécie de
fascínio, que até hoje cultivo. Resolvi que também eu escalaria um onze ideal
da competição, tarefa que estendi a todos os Brasileirões que acompanhei
posteriormente.
Um
trabalho solitário, compartilhado durante anos com quase ninguém. Talvez eu
tenha confidenciado algo ao Fábio, grande amigo de infância. Ou ao Leo, meu
primo, que, avesso a futebol, acusava-me de decorar o conteúdo das edições de
Placar só para ficar exibindo conhecimentos futebolísticos depois. Mas, ainda
que eu tenha revelado algo a eles, não dividi o trabalho. Minucioso trabalho,
diga-se. Cheguei ao requinte aparentemente doentio de dar um nome ao “prêmio”
ignorado por toda a humanidade. Se a Placar, como eu descobriria poucos meses
depois daquele verão 87/88, tinha a sua Bola de Prata, eu teria o PDA. Prêmio
Danilo Alvim.
Mas
por que cargas d’água Danilo Alvim? O leitor deste blog há de conhecê-lo.
Trata-se do Príncipe, center-half do Expresso da Vitória e titular na Copa de
1950. Eu já lera a respeito da nobreza de sua estirpe e achei que, com seu
nome, o “cobiçado laurel” ganhava peso.
Como
em 87 a ideia surgiu somente depois da decisão do certame nacional, foi em 88
que as escolhas do PDA passaram a ser frutos de observações mais detidas ao
longo de todo o campeonato. A essa altura, eu já me tornara um ávido leitor de
Placar, e era natural que as notas dadas pela revista aos concorrentes da Bola
de Prata influenciassem os meus conceitos pré-adolescentes, numa época muito
anterior à onisciência do PFC. No entanto, eu apreciava manter a independência
do prêmio por meio de algumas firmes discordâncias. Por isso, se endossei a
Placar na zaga, por exemplo (Aguirregaray, do Inter, e Pereira do Bahia), dela
me desviei nas pontas (Robertinho e Edivaldo nos lugares de Vivinho e Zinho!). Uma
das outras diferenças entre as minhas opções e as da Placar residiu no
meio-campo: eu escalei Cristóvão (Grêmio) na cabeça-de-área, posição que teve
Paulo Rodrigues (Bahia) como Bola de Prata.
Na
verdade, Cristóvão jogava como segundo homem numa região central gremista
habitada ainda por Bonamigo e Cuca. Mas, como eu não queria abdicar de Geovani,
recuei Cristóvão para o posto de volante. O meia do tricolor gaúcho também não
podia ficar de fora – eu me convencera disso ao assistir na TV a Flamengo 0x1
Grêmio, pelas quartas-de-final, no início de 1989 (sim, o Brasileirão de 88
terminou no ano seguinte). Elegante, clarividente e operário, naquela noite
Cristóvão se multiplicou com leveza e agilidade no gramado do Maracanã. Uma
atuação que ajudou o garoto de 12 anos a moldar sua definição de meio-campista.
O
Grêmio tombaria nas semifinais para o maior rival, naquele que ficaria
conhecido como o “Grenal do século”, mas a impressão que Cristóvão me deixara
nas quartas garantiu-lhe uma vaga no escrete do PDA. Sebastião Lazaroni, então
técnico da seleção, também deve ter gostado das performances do meia, já que o
convocaria, poucos meses depois, para a Copa América.
Depois
da passagem pela Portuguesa, já em fim da carreira, Cristóvão sumiu do meu
modesto mapa. Eu só voltaria a ouvir falar dele no fim de julho de 2011, dias
depois do grave problema médico de que Ricardo Gomes se acometera. Eu estava na
loja de ferragens do portuga Luís, point de notícias cruzmaltinas mais férvido
que sites especializados. Angustiado, indaguei:
−
E quem vai entrar no lugar do Ricardo, por enquanto?
−
É o auxiliar dele, o Cristóvão − respondeu o filho do lusitano −, um ex-jogador
aí, acho que do Fluminense...
−
Ah, sei... Jogou no Grêmio, né?
De
fato, era ele, o volante improvisado do PDA 88. Simples, discreto, sereno,
salário bem menor que os dos figurões do ofício, Cristóvão foi aplacando minha
desconfiança inicial. E fui reconhecendo, na desenvoltura e na lucidez
peculiares à sua forma de se expressar, a mesma habilidade, a mesma
inteligência que eu vira pela TV, num Flamengo x Grêmio do passado.
Com
Cristóvão, o Vasco chegou pela primeira vez entre os cinco primeiros do
Brasileirão neste século. Com Cristóvão, o Vasco chegou às semifinais da
Sul-Americana, mesmo estando muito envolvido com o Brasileiro. Com Cristóvão, o
Vasco fez uma ótima Libertadores, em seu retorno à competição após onze longos
anos. Com Cristóvão, o Vasco se mantém entre os quatro primeiros do Brasileiro
2012, mesmo depois das terríveis perdas de Rômulo, Allan e, principalmente,
Diego Souza e Fágner. O vascaíno já tem, portanto, motivos para acreditar que,
com Cristóvão, o Vasco pode continuar disputando coisas grandes. É claro que a
exasperação com uma ou outra mania (uma leve retranquite, Diego Rosa etc)
sempre vai haver, isso é comuníssimo no comportamento da torcida. Mas xingar recorrentemente
um técnico que vem, há quase um ano, contornando problemas e levando o Vasco
para cima parece injustificável.