Na
era pós-Copa União (depois de 1987, portanto), poucas fatias da federação fora
do chamado “eixo Rio-São Paulo” colocaram mais de dois times na Série A. Foram
elas Pernambuco (apenas em 93), Minas Gerais (em 93, 98, 2000, 2001, 2008 e
2011), Paraná (dez vezes entre 93 e 2005) e Rio Grande do Sul (de 95 a 2007,
excetuando-se 2005). No ano passado e na atual versão do campeonato de elite,
as portas desse seleto clubinho têm se mantido trancadas, mas há um aspirante a
sócio forçando a entrada. Trata-se de Santa Catarina, estado com um time na
Série A de 2013 (Criciúma) e presença maciça na Série B (Avaí, Figueirense,
Joinville e Chapecoense).
No
biênio 2003-04, com Figueirense e Criciúma na primeira divisão, e em 2011, com
Figueirense e Avaí, o futebol catarinense esteve, aparentemente, num estágio
até superior. Não havia, contudo, uma quantidade tão expressiva de
representantes na Série B. Em 2012, já eram três, e todos ficaram entre os seis
primeiros. Indubitavelmente, um ótimo desempenho. No fim das contas, subiu
apenas o Criciúma, mas as rodadas iniciais da Série B 2013 indicam que o número
pode aumentar desta vez.
Mesmo
a Chapecoense, advinda da Série C – de onde também emergiram Criciúma e
Joinville, em anos recentes – tem conseguido angariar boa pontuação neste
começo de certame, o que torna as projeções catarinenses para 2014 muito
positivas. Com uma das vagas para a Série A de 2014 teoricamente reservada para
o gigante Palmeiras, restam três para sonhos que vêm de todos os cantos de
Santa Catarina – norte (Joinville), sul (Criciúma), leste (Avaí e Figueira) e
oeste (Chapecoense).
Tais
esperanças não são frutos de devaneios megalômanos. Nas últimas temporadas, os
clubes catarinenses têm, esporadicamente, se atrevido a interpretar papéis mais
importantes na cena nacional. Os principais atores desse crescimento paulatino
são os emblemas da capital, Figueirense e Avaí. O primeiro chegou à final da
Copa do Brasil em 2007 e terminou o Brasileiro de 2011 na 7ª posição, depois de
ter flertado, e quase se acasalado, com a Libertadores. O rival atingiu a
semifinal da Copa do Brasil em 2011, dois anos depois de ter obtido um
espantoso 6º lugar no Brasileirão. Não são façanhas tão portentosas quanto a
conquista do Criciúma na Copa do Brasil de 1991, mas, diferentemente desta,
parecem ligadas a um processo de evolução gradativa. O caso de 91 foi mais
particular, resultado da simbiose entre a cidade do carvão e um certo Felipão,
que iniciava ali sua trajetória rumo ao posto de rei do mata-mata.
O futebol
barriga-verde vem encorpando de grão em grão, e o campeonato estadual é reflexo
disso. Não que a federação catarinense tenha grande mérito em sua organização –
muito pelo contrário. Basta lembrar o ridículo vice-campeonato do Figueirense
no Catarinão de 2012, após ter faturado ambos os turnos. A competição tem
progredido naturalmente por outras razões, entre as quais figuram o equilíbrio
e o interesse do público.
No primoroso
blog Futrankings, estudo
estatístico de Tomaz Alves aponta o campeonato catarinense como,
historicamente, o mais parelho do Brasil. A variedade de campeões sempre foi
maior do que em outras praças, o que explica, bem resumidamente, a liderança no
meticuloso ranking. De fato, ainda hoje, há sempre cinco equipes – Figueirense,
Avaí, Joinville, Criciúma e Chapecoense – que entram no torneio com chances
reais de título. Em que outro torneio local isso se observa? Alguém pode
mencionar a Bahia, que teve Colo-Colo e Bahia de Feira como campeões recentes.
Ou o Espírito Santo, estado em que, após décadas de domínio dividido entre Rio
Branco e Desportiva, apareceram novos levantadores de taça, como Aracruz e São
Mateus. Esses casos, porém, são bem diferentes, já que envolvem zebras
ocasionais ou emergentes desprovidos de tradição. No Catarinão, os componentes
do quinteto que está no poder trajam camisas com pesos não muito díspares entre
si e compartilham 41 dos últimos 42 troféus disputados – 4 erguidos pela
Chapecoense, 7 pelo Avaí, 9 pelo Criciúma, 9 pelo Figueirense e 12 pelo
Joinville. O único intruso desse período foi o Brusque, vencedor de 1992.
Se
metade dos participantes de um estadual tem condições de ganhá-lo (10 clubes
jogam o Catarinão), a atração por ele exercida tenderá a ser maior do que a de
outro campeonato cujos verdadeiros concorrentes ao título não passem de 20% do
total. Assim, embora não tenha se notabilizado por grande entusiasmo, o estadual
de Santa Catarina contou, em 2013, com média de público superior à do carioca,
à do gaúcho e à do paranaense, por exemplo.
O
ambiente competitivo do Catarinão o afasta um pouco da feição decadente que os
regionais assumem Brasil afora. E, de certa forma, ajuda a azeitar os times da
casa com vistas aos embates nacionais. É claro que o campeonato doméstico
poderia ser mais próspero e contagiante se não houvesse tanta gente em Santa
Catarina torcendo para times de outros estados. Esse é um problema crônico do
futebol barriga-verde. Pesquisa encomendada pela Revista Placar em 1983 já
dizia que “entre os 61% dos habitantes adultos das regiões urbanas de Santa
Catarina que se interessam por futebol, nada menos que 41% não torcem para nenhum clube do estado – a porcentagem
mais alta entre todas as demais regiões do país”.
O
visual de estádios como o Heriberto Hülse, a Arena Joinville e o Orlando
Scarpelli em dia de jogo e os bem-sucedidos programas de sócio-torcedor do
Joinville e da Chapecoense parecem sinalizar que existe um movimento no sentido
contrário. Estariam os catarinenses mais apegados aos clubes de sua terra do
que há trinta anos? Ou ainda os enxergam como simpáticos “segundos times”?
Levantamentos feitos nos últimos anos mostram que o apelo dos grandes centros
mantém-se bem maior que o das forças caseiras. No entanto, deve-se considerar que
pesquisas sobre torcida não têm sido o ponto forte dos institutos
especializados. Dá para desconfiar.
No
momento em que este texto chega ao seu derradeiro parágrafo, termina o jogo em
São Caetano do Sul: Azulão 0x1 Chapecoense. O triunfo fora de casa nesta noite
de sábado deixa o Índio na vice-liderança da Série B, após três rodadas. Todos
os outros membros do G-4 são, neste momento, de Santa Catarina – o Figueirense encabeça
a tabela, o Avaí ocupa o terceiro posto e o Joinville completa o grupo. Se o
atual quadro se conservasse intacto até dezembro – quase impossível −, a Série
A de 2014 reeditaria 1979, quando Criciúma, Joinville, Figueirense, Chapecoense
e Avaí estiveram na primeira divisão, à época disputada por quase uma centena
de agremiações. Pôr cinco clubes entre vinte é outro papo. Mas existe, sim, a
possibilidade de Santa Catarina ser, na próxima temporada, o único estado, além
de Rio e São Paulo, com mais de dois representantes na Série A.
Esse cara tem o dom de escrever !
ResponderExcluirMuito boa tua análise.
ResponderExcluir