Tal como
o Barcelona, seleção espanhola sofre com a ausência de seu líder
Na metade do primeiro tempo de
Espanha x Holanda, a impressão que se tinha era a de que os campeões da Europa
e do mundo massacrariam os comandados de Van Gaal. O velho toque de bola
envolvente, que envenena o adversário, estava em Salvador. O controle, o
domínio, a clarividência, a sincronia: tudo que consolidou o inebriante estilo
da Fúria apareceu naqueles trinta e tantos minutos. Os trinta e tantos anos de
Xavi não o impediram de abrir caminhos na defesa oponente. Iniesta, o esteta (talvez
“Iniesteta” soe melhor), deixava jorrar sua arte na Fonte Nova. Trabalhando em consonância, jogando um futebol gregário e operário, trocando bolas com a
precisão do handebol, os jogadores espanhóis pareciam estar prontos para uma nova aula
sobre o conceito de futebol.
O gol que David Silva perdeu poderia
ter estendido a (gostosa) sensação de “déjà vu”, ou mesmo decretado
irreversivelmente o triunfo de sua equipe. A derrocada do “tiki-taka” se
tornaria, então, uma mentira, e os fracassos recentes – tanto da seleção quanto
do Barça, sua versão clubística − seriam relativizados. Mas aí vieram o
lançamento cinematográfico de Daley Blind, um mergulho de dublê hollywoodiano
executado por Van Persie e a igualdade no placar. Na segunda etapa, falhas
sucessivas e clamorosas, muito bem exploradas pela Holanda, aniquilaram a
Espanha. Fizeram-na passar por situação vexatória, muito similar à que o
Barcelona havia vivenciado na semifinal da Champions League 2012-13, contra o
Bayern.
Agora, a crise de identidade, que já
vinha dilacerando pelas beiradas as certezas dos últimos seis anos, está
definitivamente instaurada. Fala-se em abandonar o modelo de jogo outrora vitorioso
e, para muitos, cativante. Vários analistas apontam, com razão, o
envelhecimento da espinha dorsal como uma das causas da queda de rendimento − a
contusão do virtuoso Thiago Alcântara, claro, acentuou esse problema. No
entanto, a fluidez do jogo espanhol na primeira parte do embate contra os
holandeses dava indícios de que o sonho ainda não tinha acabado. Mesmo limitada
pela convocação bastante conservadora de Del Bosque, a Espanha mostrou, por
mais de meia hora, que ainda podia dar caldo.
Tanto podia que acabou por entorná-lo.
Talvez a equipe tivesse conduzido melhor as coisas se sua retaguarda ainda
estivesse sob a batuta de Carles Puyol. O zagueiro se aposentou em maio, devido
às lesões que o perseguiram nos últimos dois anos. Os longos períodos de
afastamento coincidiram com a decadência do Barcelona e da Fúria, embora esta
ainda tenha conseguido vencer a última Eurocopa sem ele. Mas a grotesca atuação
frente à Argentina em 2010 – 4x1 para os sul-americanos, dois meses após o
êxito na África do Sul −, que não contou com os serviços do beque catalão, já mostrava
que o respeitado exército espanhol sentia o baque da ausência de seu general.
Aliás, nesse amistoso, Reina cometeu,
com os pés, erro muito semelhante ao de Casillas na partida de anteontem. Sem
Puyol, a defesa da Roja soma a indecisão de Ramos aos apagões de Piqué, o que
acaba multiplicando a insegurança do capitão Iker. O produto disso também pôde
ser observado na final da Copa das Confederações. E, no Barcelona, a equação é
a mesma. Basta dizer que Puyol não esteve presente nas duas acachapantes
derrotas (0x4 e 0x3) diante do Bayern em 2013, símbolos do aparente fim de ciclo.
Portanto, quando se diz que “o time
da Espanha é praticamente o mesmo que ganhou a última Copa do Mundo”, a
frase camufla o desfalque crucial. Obviamente, há outras razões – a estratégia manjada,
o outono da carreira de alguns craques – para a fase tempestuosa pela qual
passa a seleção espanhola. Porém, é inegável que a sóbria liderança de Carles
Puyol, reconhecida e admirada pelos companheiros, faz falta. Debaixo dos
caracóis dos seus cabelos, Barça e Fúria sentiam-se mais protegidos.
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