Quando um clube brasileiro consegue
conquistar o Mundial, muitos têm a impressão de que seu desdém em relação ao
campeonato brasileiro do mesmo ano foi um fator decisivo para o triunfo
planetário. Vira quase consenso a ideia de que priorizar o torneio da Fifa,
abdicando de todo o resto, foi uma estratégia inteligente, muito bem calculada.
Quando, porém, a taça do mundo se
desintegra, constata-se que o tão louvado foco de nada adiantou. A concentração
absoluta não se revela, no fim das contas, um plano infalível. E, então, o
torcedor lamenta todos aqueles meses de amistosos insossos, todas aquelas
possibilidades de êxito doméstico jogadas fora.
No caso específico do Atlético Mineiro,
derrotado anteontem pelo Raja Casablanca, o vazio do arrependimento é ainda
mais profundo e aterrador. Além de não ter experimentado sequer o sabor de ver
seu time enfrentar o campeão europeu, o torcedor do Galo ainda precisa lidar
com o fato de ter sido o próprio Atlético um dos responsáveis indiretos pela esmagadora
performance do Cruzeiro no Brasileirão – afinal, os comandados de Cuca
formavam, possivelmente, a única equipe capaz de produzir um embate parelho com
o rival na tabela.
Contudo, como se sabe, o Galo não levou
a sério a chance de abocanhar um título que, diga-se de passagem, não obtém
desde 1971. A festança da Libertadores se estendeu em demasia e, mesmo depois
da ressaca, não houve comprometimento com a causa do Brasileirão. Tampouco com
a da Copa do Brasil, cujo caneco não figura no currículo atleticano. O sonho do
Mundial, equivocadamente, eliminou outras ambições, amaciou pressões.
Marrocos era o oásis depois do desértico
segundo semestre. O time estava com crédito até chegar ao vermelho Bayern, que
derrotara o Cruzeiro no Mundial de 1976 e, desta vez, sucumbiria diante da
verdadeira força de Minas ─ assim pensava a grande massa atleticana. Mas, como
vimos, tudo não passou de miragem. Restou a sede de ter vivido mais
intensamente um período que, para o vizinho, foi glorioso.
Tradição aziaga
Antes do Atlético-MG, outros clubes
brasileiros já haviam desperdiçado suculentas fatias de suas temporadas em nome
de uma frustrante bocada de fim de ano. Abaixo, uma lista de bons times que
poderiam ter vencido o Brasileirão em anos nos quais se dedicaram
exclusivamente ao Projeto Tóquio, Marrakech etc.
VASCO
– 1998
Tão
bom quanto o campeão nacional de 97, o Vasco de 98 poderia, até com certa
facilidade, ter se classificado para as quartas-de-final daquele campeonato
anterior à era dos pontos corridos. E teria, certamente, avançado mais. A
orientação advinda da diretoria, no entanto, era clara: prioridade absoluta
para o embate com o Real Madrid. Quanto maior fosse o tempo de preparação,
melhor. O décimo lugar se encaixou na proposta, mas o jogo do Vasco não
encaixou em Yokohama.
PALMEIRAS
– 1999
Pode
um time que aplica, no mesmo campeonato, 6 a 0 sobre o Grêmio e 6 a 0 sobre o
Botafogo ficar ausente da briga pelo troféu? Pode. Em 1999, o Verdão de Felipão
não fez muito esforço para se classificar entre os oito que rumariam para a
segunda fase ─ alcançou, como o Vasco do ano anterior, a décima colocação.
Assim, pôde ficar 20 dias pensando apenas no Manchester United. Talvez tivesse
sido melhor não pensar tanto, já que perdeu para o time de Ferguson e viu o
arquirrival se sagrar campeão brasileiro.
INTERNACIONAL
– 2010
O
Inter de Celso Roth estava longe de ser brilhante, mas os outros concorrentes
ao título brasileiro de 2010 também não eram. Com o elenco de que dispunha, podia
ter lutado pela taça. Mas a esperança de bisar o feito de 2006 obnubilou o
ímpeto de vencer no certame caseiro. O Colorado acabou ficando apenas em sétimo
no Brasileirão e, no Mundial, fracassou ante o Mazembe.
SANTOS
– 2011
Em
determinado momento do Brasileirão 2011, os postulantes ao título passaram
várias rodadas tropeçando sucessivamente. Nenhuma equipe parecia ter força
suficiente para arrancar e se impor na competição. Estivesse um pouco menos inebriado
pelo sonho de bater o Barcelona no Mundial, o Santos, munido de Neymar em fase
esplêndida, poderia ter brigado pela taça nacional. Acabou sendo massacrado pelo
Barça de Guardiola.