sábado, 18 de fevereiro de 2012

Futebol inglês carente

"Nada tão remoto, nada tão longínquo, nada tão antediluviano como o passado recente", já dizia Nelson Rodrigues 

Primeiro semestre de 2007. O desacreditado Milan é campeão europeu, mas os outros três semifinalistas da Champions League são ingleses. O Chelsea tem Mourinho no banco, Drogba e Lampard em plena forma, Essien voando. O Manchester United ainda conta com Cristiano Ronaldo, autor de dois tentos no histórico 7 a 1 sobre a Roma. O Liverpool é forte, e Gerrard vive ótima fase. O Arsenal não repete a temporada anterior, tombou na LC, mas tem Fábregas. E Henry. 

Hoje Fábregas revive os tempos de juvenil na Catalunha, Gerrard e os Reds tentam se reencontrar, Cristiano Ronaldo faz gols às pencas a muitos quilômetros de Old Trafford, a espinha dorsal do Chelsea está envelhecida e seu treinador, embora jovem, lusitano e advindo do Porto, não é o “special one”. O líder do campeonato inglês é o Manchester City, melancolicamente eliminado da LC e guiado pelo medíocre Roberto Mancini. Para completar o cenário de decadência, a nostalgia entra em campo com o ex-aposentado Paul Scholes e com a recém-inaugurada estátua de Henry, que ganhou movimentos humanos e andou assombrando oponentes com golzinhos de inverno. 

Alguém discorda de que a Premier League não é mais a mesma? Grandes ídolos se foram ou passaram há muito dos trinta, a dinheirama faz o time de proveta do tradicional City dominar o certame e os clubes menos abastados, apesar do enfraquecimento dos grandes, continuam fazendo figuração. Assistindo a partidas da atual temporada tive, em alguns momentos, sensações similares às que experimento em jogos do campeonato carioca. Dou como exemplo Manchester United 4x1 Wolverhampton, do dia 10 de dezembro. Jogo de ataque contra defesa o tempo inteiro. No quarto gol de gigante, veem-se torcedores comemorando com um insosso aplauso. Embora esse comportamento tenha, também, a ver com o perfil da plateia que acompanha o United em Old Trafford (veja aqui críticas do ídolo Roy Keane), não há dúvida de que a fragilidade do adversário torna o rumo do confronto muito previsível. 

Alguém dirá que os jogos do Barça e do Real Madrid contra os pequenos da Espanha são iguais. Não acho. Primeiro, porque blaugranas e merengues são, atualmente, muito mais agradáveis de se ver. Segundo, porque, há algum tempo, os times espanhóis que não têm chance de título (todos à exceção dos dois gigantes) parecem mais fortes que os equivalentes britânicos, vide os desempenhos recentes na Liga Europa e na antiga Copa Uefa. É verdade que as potências da Inglaterra desdenham da Liga Europa, mas não há motivo para os médios alegarem essa postura. Não avançam porque não se mostram capazes, mesmo. Nas duas últimas ocasiões em que times médios da Inglaterra chegaram à final da competição (e não consta que tenham ficado enfadados por isso), sofreram derrotas para espanhóis, uma delas acachapante (Sevilla 4x0 Middlesbrough, decisão de 2005/6). 

Na última quinta-feira, o Stoke City praticamente selou sua despedida da Liga Europa, perdendo em casa para o Valencia, por 1 a 0. O placar foi piedoso para com os britânicos, dada a inquestionável superioridade do time do brasileiro Jonas durante todo o embate. Talvez seja normal o 3º colocado do campeonato espanhol vencer o 13º lugar do inglês com tamanha facilidade, mas o que dizer de Tottenham e Fulham, pulverizados antes mesmo do mata-mata da competição, em grupos que tinham os poderosíssimos PAOK, da Grécia, e Wisla Krakow, sexto lugar do campeonato polonês? Harry Redknapp, treinador do Tottenham, nem precisava ter comparecido à coletiva pós-eliminação; até as paredes da sala de imprensa já sabiam que ele relativizaria o fracasso, enxergando nele uma grandiosa chance de concentrar esforços na batalha da Premier League. No Brasil, o discurso dos técnicos é idêntico quando seus times caem na Copa Sul-Americana.  

Se na Liga Europa a performance dos clubes ingleses é fraca há tempos, o mesmo não se podia dizer, até poucos anos atrás, de seu desempenho na Liga dos Campeões. Na temporada seguinte à de 2006/7, citada no início deste texto, o futebol da terra da Rainha dominou novamente a LC, pondo dois de seus representantes – Chelsea e Manchester United – na decisão. Os comandados de Alex Ferguson ainda chegaram a outras duas finais, em 2009 e 2011. No entanto, além de terem perdido ambas, sofreram com o empobrecimento técnico decorrente da saída de dois excelentes atacantes (Tévez e Ronaldo) e da difícil renovação do time, que não dispõe de substitutos à altura para expoentes como Ryan Giggs. Na LC 2011/12, os Red devils empacaram na fase de grupos.  

O rival Arsenal conseguiu avançar, mas a goleada que tomou em Milão, na última quarta-feira, fulminou suas esperanças na competição. Embora sempre exista a possibilidade de um milagre como o alcançado pelo Deportivo, na LC 2003/4, ante o mesmo Milan, a equipe londrina não parece preparada para algo tão grandioso. Seria necessária uma densa reflexão para tentar entender como o temido esquadrão de 2004, campeão invicto, foi enfraquecendo paulatinamente até chegar ao estágio atual. Em meio parágrafo, pode-se aventar a hipótese de que acontece por lá algo semelhante ao que se observa no United: a reposição das lacunas deixadas por medalhões do porte de Ashley Cole, Vieira, Pires, Bergkamp e Henry é um tormento para Wenger, que, para piorar, tem feito, ultimamente, compras nem de longe tão certeiras quanto as do fim do século XX. Pode-se, ainda, apontar sua pressa em se desfazer de um meio-campo que, já na era do Emirates Stadium, alinhava Flamini e Hleb, jogadores por vezes contestados, mas que se entendiam muito bem com Fábregas e Rosicky. Lembro-me de um Arsenal 6x2 Blackburn (um Blackburn bem melhor que o atual, é bom frisar), às vésperas do Natal de 2006. Um presente para os apreciadores de futebol, tal a fluidez ofensiva daquele jovem time, que prometia durar muitos anos. Algo deu errado no meio do caminho. 

Liverpool e Chelsea também amargaram perda de poderio. Os Reds não ouvem o hino da LC há algum tempo, enquanto os Blues passam por momento delicado e podem, na terça de carnaval, sambar no Estádio San Paolo, frente ao Napoli de Lavezzi e Cavani. Uma eventual queda, somada à quase garantida eliminação do Arsenal, resultaria na ausência de ingleses nas quartas-de-final da Liga dos Campeões, cenário que não se apresenta desde a temporada 1995/96!  

É ou não é uma derrocada? Há de se admitir que o campeonato inglês continua oferecendo ao público bons espetáculos, e que, com a crise dos gigantes da última década, a emoção da disputa até aumentou, já que clubes outrora muito distantes do cume da tabela hoje se permitem sonhar com vagas na LC. Contudo, é inegável que o nível técnico da competição caiu. A carência existe, e as tentativas de remediá-la passam por Scholes, pelo déjà vu de Henry e pela euforia com que se repercute um possível regresso da dupla Mourinho/Cristiano ao país que inventou o jogo.

2 comentários:

  1. Texto excelente. Muito superior ao que encontramos em portais de esporte de massa. Porém, meu jovem, o último representante inglês em uma edição de Copa da UEFA (atual Europa League) não foi o "Boro" em 2006, mas o Fulham, que perdeu para o Atlético de Madri na temporada 2009-2010. Quanto a competitividade, embora os times tenham realmente enfraquecido nas duas últimas temporadas, ainda possui nível técnico melhor que os demais na Europa. Afinal, sempre tem mais de 2, 3 times brigando pelo título. Na Espanha quem rivaliza com Real e Barça? Continuo achando o Inglês superior tecnicamente.

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  2. Obrigado pelo elogio e pela retificaçâo. Como pude me esquecer do Fulham, que, inclusive, deixou a Juve para trás?

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