segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

O Joel italiano

Claudio Ranieri não ganha nada realmente importante, mas tem carisma e mercado

Quando um clube brasileiro, especialmente carioca, esquece todos os seus falsos projetos e procura alguém com um método bem feijão-com-arroz, incapaz de pôr o time nas alturas mas eficaz o bastante para livrá-lo de campanhas vexatórias, quase sempre cogita contratar Joel Santana. E com grande frequência o faz. O número de passagens por certas agremiações (4 no Vasco, 5 no Flamengo, 3 no Fluminense, 3 no Botafogo e 3 no Bahia) testifica isso.

Tido como folclórico e apaziguador – embora recentes entreveros com Roger (Cruzeiro) e Loco Abreu (Botafogo) revelem focos de discórdia na família do “paizão” −, Joel tem um currículo abarrotado de estaduais e carente de títulos expressivos. O Brasileiro e a Mercosul que o Vasco conquistou em 2000 contaram com sua presença no banco apenas no desenlace das competições, depois da intempestiva demissão de Osvaldo de Oliveira. De resto, nenhuma taça nacional, tampouco internacional. A arrancada do Flamengo no Brasileirão de 2007 talvez tenha sido seu mais impressionante e refulgente trabalho, concluído de forma muito esquisita: pela Libertadores de 2008, jogo de volta das oitavas-de-final, o América do México venceu o Flamengo por 3 a 0 no Maracanã e transformou a festa de despedida para Joel – que assumiria a seleção sul-africana – em filme B de terror nonsense.

A passagem de Joel pela África do Sul sempre suscitará alusões anedóticas aos improvisos no trato com o idioma inglês. A naturalidade com que tirava soluções comunicativas da cartola (ou de sua mágica prancheta) combinou com a imagem do cara simples, boa-praça, munido de boas doses de malandragem. Era o mesmo Joel dos óculos pendendo sobre a nareba, do gestual circense à beira do campo, da fisionomia fantasmagórica ao menor sinal de erro do juiz, das tiradas espertas e engraçadas. O inglês caótico incrementou a figura do sujeito singelo, do povão. A simpatia e o carisma, somados à inegável competência para arrumar casas bagunçadas, ajudaram a pôr Joel em condição privilegiada no mercado de técnicos do Brasil.

Algo similar ocorre com Claudio Ranieri, atual técnico da Internazionale, que, diga-se de passagem, ontem perdeu em casa para o lanterna Novara, após tombar diante da Roma por 4 a 0. Ranieri jamais ergueu um troféu de alto quilate, a menos que ponhamos a Copa Itália (arrebatada em 1995/6, pela Fiorentina) e a Copa do Rei (com o Valencia, em 1998/9) nessa categoria. Teve passagens por Napoli, Roma, Juventus, Atlético de Madrid e Chelsea, todas desprovidas de título, mas ricas em amizades. Por onde passou, Ranieri angariou respeito de jogadores e imprensa. Bem-humorado, generoso e humano, além de grande conhecedor de futebol, costuma falhar no domínio de situações extremas, que demandam elevado grau de frieza e pragmatismo. Foi assim no campeonato perdido com a Roma em 2010. Deu-se o mesmo no Chelsea de 2003/4, eliminado nas semifinais da Liga dos Campeões pelo Mônaco, depois de ter batido o então quase invencível Arsenal nas quartas.

Em um arroubo de emoção, Ranieri chorou copiosamente ao vencer esse duelo contra Wenger. A temporada 2003/4, que marcou a chegada de Abramovich aos Blues, tinha sido muito dura e estressante, devido à sabida preferência do bilionário russo por outros nomes. Desde 2000 no clube londrino, Ranieri aturou admiravelmente a pressão, mas, no fim das contas, foi substituído por Mourinho, que conseguiu ser, pelo Porto, campeão daquela LC que o italiano deixou escapar. 

Quando chegou à Premier League, na virada do milênio, Ranieri dispunha de um inglês tão primitivo e engraçado quanto o de Joel Santana. Outro dado que aproxima os dois é o fato de ambos terem sido zagueiros toscos, becões de roça da década de 70. A ausência de empáfia, a escassez de triunfos importantes, a facilidade com que arrumam cobiçados empregos... Joel e Ranieri têm realmente muita coisa em comum. E o parentesco vai se estreitar se ambos forem em breve demitidos das potências que comandam. Nesse caso, eles bem que podiam aproveitar o tempo livre da rara folga para um bate-papo descontraído sobre suas aventuras no futebol, comendo carne em Roma (cidade natal de Ranieri, único esportista de uma família de açougueiros) ou deglutindo um ovo cozido com sal num botequim do Rio. O idioma da conversa? Inglês, é claro!

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