terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Sul-Americano de 1948

Em 2008, escrevi para a Revista Trivela uma matéria a respeito do título vascaíno no Sul-Americano de 1948. Li agora, no site da Espn, que o Vasco vai pleitear a condição de primeiro campeão da Libertadores, defendendo que o certame embrionário lhe era equivalente. Abaixo, o texto da reportagem, que saiu na edição de março de 2008.


Nos trilhos da Libertadores
Há 60 anos, o Expresso da Vitória conquistou seu mais importante título

“A façanha do Vasco foi a maior jamais realizada por clube brasileiro”. Com essa frase, Mário Filho iniciou sua coluna no Jornal dos Sports de 16 de março na 1948. Na antevéspera, o time cruzmaltino saíra do Estádio Nacional de Santiago com um enorme condor de bronze, que representava a conquista do Campeonato Sul-Americano de Campeões. A ave escolhida para dar forma ao troféu simboliza a liberdade do continente americano, mais tarde lembrada, também, pelo nome da prestigiosa competição que recolocaria em prática a grande sacada do final dos anos 40. 

Em 1996, a Conmebol reconheceu a importância do título do Vasco, que, no ano seguinte, pôde jogar a Supercopa Libertadores. Admitir a equivalência entre o certame do Chile e a Libertadores não foi um exagero da entidade. Descontados os limites que a época impunha – em alguns países, ainda não havia campeonatos de abrangência nacional –, a seleção dos participantes foi bem criteriosa, mais até do que na Europa, cuja primeira Copa dos Campeões definiu seus disputantes sem levar em conta o desempenho no ano anterior.

A presença de representantes de sete países foi importante para diferenciar o campeonato de Santiago dos muitos desafios, quadrangulares e torneios que, à época, fervilhavam na América do Sul. Fazia muitos anos, por exemplo, que os campeões do Uruguai e da Argentina duelavam pelo título “rioplatense”. Em 1947, a chamada Copa do Atlântico reunira times brasileiros, argentinos e uruguaios. Poucos dias antes de o Vasco chegar ao Chile, o Flamengo esteve lá jogando amistosos. No mesmo período, o River Plate visitou a capital paulista, onde perdeu para o Corinthians, empatou com o São Paulo e venceu o Palmeiras. 

Apesar da campanha irregular nesse tour, “La Maquina” de Moreno, Labruna e Di Stéfano manteve sua aura quase intacta e chegou ao Campeonato Sul-Americano ostentando a insígnia de favorito. Atribuiu-se a medíocre performance em solo paulistano às fortes chuvas que haviam enlameado a grama e prejudicado o fino toque de bola portenho. 

De azarão a favorito 


Às seis horas da manhã do dia 7 de fevereiro, o Vasco decolava rumo a Santiago. O time não ia curtir a folia carioca, embora merecesse: no ano anterior, havia conquistado o título local de forma invicta. E sem Ademir de Menezes, que estava no Fluminense. Mas, naquele sábado de carnaval, o filho pródigo já havia retornado ao lar. Ele e mais dezessete integrantes do Expresso da Vitória partiam para o Chile na condição de figurantes. Afinal, nenhum time brasileiro, nem mesmo a seleção, havia vencido um campeonato em território estrangeiro. 

Robinson Alvarez, presidente do Colo Colo e idealizador da competição, pensava assim. Por isso, a tabela agendou, inicialmente, os cruzamentos entre River, Colo Colo e Nacional para as últimas rodadas. Esperava-se, desse jeito, garantir o interesse do público até o final. No entanto, em seu segundo jogo, o time treinado por Flávio Costa bateu o Nacional por 4 a 1, obrigando Alvarez a rever os seus conceitos. Após certa resistência a alterações no cronograma, o Vasco acabou cedendo. Seu último compromisso passou a ser contra o River Plate, no dia 14 de março. 

O caminho para o título

A goleada sobre o campeão uruguaio foi a única partida de Ademir no certame. Um chute do beque Rodolfo Pini provocou uma fratura no pé direito do “Queixada”, que regressou ao Rio para iniciar a recuperação. Embora o desfalque fosse preocupante, o time continuou rendendo bem. “Havia ótimos reservas” – lembra o jornalista Luiz Mendes, que acompanhou a competição – “Desde 1944, o Vasco era o melhor time do Brasil”. 

Pouco a pouco, Flavio Costa foi encontrando a formação ideal. O zagueiro Wilson, que, em janeiro, ainda defendia os juvenis, surpreendeu com atuações muito seguras. O mesmo não sucedeu com o jovem Dimas, artilheiro do carioca de 47, que parecia meio preso. O técnico, então, optou por deslocar Friaça da ponta direita para o centro do ataque, onde ele teve atuações destacadas. “Eu tinha um chute muito forte”, conta o ex-jogador, morando hoje em Porciúncula (RJ), sua cidade natal. 

Um dos quatro gols de Friaça no campeonato foi marcado no empate com o Colo Colo, que alinhou alguns jogadores de outros times chilenos, burlando o regulamento. Esse não foi o único caso de armação do certame. A arbitragem da batalha entre Vasco e River, a cargo do uruguaio Nobel Valentini, foi muito contestada pelos vascaínos e pela imprensa, principalmente por conta do gol anulado de Chico, em suposto impedimento. 

Nessa partida decisiva, o River necessitava da vitória. Foi o adversário, porém, que tomou as rédeas do confronto: “O Vasco da Gama, que devia ser o vencedor, não acusou pontos débeis em suas diferentes linhas, e realizou ontem sua melhor partida no campeonato”, apontou o jornal La Nación. Di Stéfano, eficazmente marcado por Wilson, só veio a tocar na bola aos 26 minutos. Barbosa pegou pênalti cobrado por Labruna, segurando o 0x0 e coroando sua bela passagem por Santiago. 

No Rio de Janeiro, uma multidão foi recepcionar o Vasco. Desfilando em carros abertos, rumo a São Januário, os heróis fizeram, finalmente, o seu carnaval. Na verdade, apenas alguns deles, porque outros tiveram de ir diretamente para Montevidéu, onde a seleção jogaria a Copa Rio Branco. O Vasco era a base do escrete nacional e o campeão dos campeões sul-americanos. Por isso, como diz o cântico mais ouvido em São Januário atualmente, uma das grandes glórias do Gigante da Colina “é relembrar o Expresso da Vitória”. 

Descontinuidade 

Além de espetáculo esportivo, o Campeonato Sul-americano de Campeões foi um movimentado evento social. O Colo Colo não mediu esforços para dar ares de festa à competição, promovendo homenagens e confraternizações. Antes de a bola rolar, houve concurso de cartazes e sorteio de viagens para quem comprasse ingresso de tribuna especial. Na cerimônia de abertura, as delegações desfilaram pelo campo do Estádio Nacional, entoaram os hinos de seus países e fizeram o juramento de “aceitar as derrotas com esportividade”. 

A promessa, contudo, não foi cumprida à risca. O jogo Colo Colo 3x2 Nacional ilustra bem isso. Enquanto perdia por 2 a 1, a equipe chilena atormentou o árbitro brasileiro Alberto da Gama Malcher, obrigando-o a interromper a partida e descer para o vestiário. Malcher só retomou seu serviço depois do bizarro apelo do presidente Robinson Alvarez, de microfone em punho: “Peço ao público que faça o sacrifício de ver atuando novamente este juiz”. Dias depois, Alvarez se retratou e até deu uma medalha a Malcher, mas o mal já estava feito. 

Antes do episódio, o Nacional ainda brigava pela taça. Seu descontentamento com o campeonato só não foi maior do que o do River Plate, que se sujeitou a um arranhão na lataria da “Máquina”. O próprio Vasco, embora campeão, não engolira os cambalachos do Colo Colo na inscrição de jogadores. Essa soma de insatisfações atrapalhou os planos de Robinson Alvarez, que não concretizou o desejo de organizar outra edição do torneio. Mas a semente de uma frondosa árvore já estava plantada. Hoje, em seu galho mais antigo, um condor move as asas. 


Clubes que participaram da competição 


Vasco da Gama (BRA)


Como chegou à competição

Campeão carioca de 1947
Time-base
Barbosa, Augusto e Wilson; Eli, Danilo e Jorge; Djalma, Maneca, Friaça, Ismael e Chico

Características

Individualmente muito forte, o time crescia quando diante de desafios mais difíceis. Não por acaso, suas melhores atuações foram contra o segundo, o terceiro e o quarto colocados
Resultado
Campeão
Situação atual
Sem títulos há cinco anos e fora da Libertadores desde 2001


River Plate (ARG)

Como chegou à competição
Campeão argentino de 1947
Time-base
Grisetti, Vaghi e Rodríguez; Yácono, Rossi e Ramos; Reyes, Moreno, Di Stéfano, Labruna e Loustau

Características

Quase todos os jogadores do time vinham das categorias de base do River. Sua escola era a do jogo coletivo, baseado na manutenção da posse de bola e em triangulações envolventes
Resultado
Vice-campeão
Situação atual
Não consegue ter o mesmo sucesso internacional do rival Boca

Nacional (URU)


Como chegou à competição

Campeão uruguaio de 1947
Time-base
Paz, Raúl Pini e Tejera; Santamaría, Rodolfo Pini e Cajiga; Castro, Gómez, Atilio García, Gambetta e Orlandi

Características

A dupla Walter Gómez/Atílio García mostrava muita eficiência, porém a zaga, segundo os críticos da época, era lenta e pesada. Tejera e Gambetta enfrentariam o Brasil em 1950
Resultado
Terceiro lugar
Situação atual
Tricampeão da Libertadores, perdeu espaço no cenário continental

Municipal (PER)


Como chegou à competição

Vice-campeão peruano de 1947 (o campeão, Atlético Chalaco, recusou o convite)
Time-base
Suárez, Cavadas e Perales; Colunga, Castillo e Celi; Hurtado, Mosquera, Drago, Guzmán e Torres

Características

Baixinhos e habilidosos, os “Tres Gatitos” Mosquera, Drago e Guzmán formavam o melhor núcleo da equipe, que tocava bem a bola, mas pecava pela falta de objetividade
Resultado
Quarto lugar
Situação atual
Caiu novamente para a segunda divisão do futebol peruano

Colo Colo (CHI)

Como chegou à competição

Campeão chileno de 1947
Time-base
Sabaj, Machuca e Pino; Urroz, Miranda e Muñoz; Aranda, Farias, Dominguez, Peñaloza e López
Resultado
Quinto lugar

Características

O time montado pelo ex-atacante Enrique Sorrel sentiu a pressão de jogar em casa e sofreu com a ausência do goleiro Misael Escuti, contundido
Situação atual
Vive boa fase e sonha em ganhar a Libertadores outra vez (já o fez em 1991)

Litoral (BOL)

Como chegou à competição
Campeão de La Paz em 1947
Time-base
Gafuri, Araoz e Bustamante; Ibañez, Valencia e Vargas; Sandoval, Rodríguez, Caparelli, Gutierrez e Orgaz

Características

Lutador e persistente, o limitado time do Litoral corria bastante. Muitos de seus jogadores defenderam a Bolívia na Copa do Mundo de 1950
Resultado
Sexto lugar
Situação atual
O período áureo do clube foi mesmo o fim dos anos 40. Depois, perambulou por divisões inferiores, até desistir de disputar qualquer campeonato, em 2003

Emelec (EQU)

Como chegou à competição

Convite. Vale frisar, porém, que, em 1946, o clube venceu o campeonato de Guayaquil e que o ano de 1947 foi atípico para a cidade, pois lá se realizou a Copa América
Time-base
Arias, Henríquez e Zurita; Riveros, Alvarez e Ortiz; Albornoz, Jiménez, Alcívar, Yepez e Mendoza

Características

Contava com jogadores rápidos, mas não ia muito além disso. Os destaques eram Henríquez e Alvarez, que chegaram a atuar na liga pirata colombiana
Resultado
Último lugar
Situação atual
Ainda é um dos clubes mais importantes do Equador

2 comentários:

  1. Ótimo texto, nem em sites famosos de esporte li um texto tão bom quanto esse, com todos os detalhes, Parabéns pelo blog, visitarei sempre agora, gostei mesmo.

    Abraço, João Vitor Paulino, seu aluno rs

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  2. Parabéns, muito bom seu texto e comprova a importância desse titulo nãoapenas para o Vasco quando para o futebol Brasileiro que nesse triunfo Vascaíno abriu as Portas para a hegemonia Sul Americana.

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