Entre os técnicos brasileiros, o
cruzeirense seria a melhor escolha para o atual cenário
Será que, depois do murro que deixou
o futebol brasileiro sem sentidos, ainda haverá quem defenda a tese de que
apenas o resultado tem relevância? O título de 2002, conquistado com um time
que também tinha um estranho vazio no meio-campo – mas que, com sorte, clima de
família, atacantes portentosos, laterais fortes e adversários medíocres, acabou
levantando a taça – havia deixado a impressão de que o caminho do minimalismo
era cômodo e suficiente. Por que convocar Alex e Juninho Pernambucano e ter o
trabalho de arquitetar um jogo mais engenhoso, se a vitória podia vir com
voluntariosos cabeças-de-área e jogadas epifânicas do poderoso ataque? O êxito
na Ásia fermentou em demasia a receita do pragmatismo absoluto. Se vencíamos
daquele jeito, devia estar tudo certo por aqui. Calendário? Base? Regulamentos?
Presença nos estádios? Estudos táticos? Patacoadas. Somos malandros, sabemos
como fazer.
Foi necessário tomar uma pancada
traumatizante. De outra forma, qualquer reflexão mais profunda seria sufocada
pelo velho discurso prepotente. Em meia hora, a seleção alemã exprimiu, na
linguagem dos gols, o que pessoas sérias, que amam de verdade o futebol, já
vinham dizendo há tempos. A diferença é que os sete tentos entraram em todos os
lares do Brasil. Pregaram um evangelho que muitos ainda não tinham podido ouvir.
Sem versão repaginada, sem filtro global, sem campanhas patrocinadas, sem o
alarido dos continuístas, sem o teatro mambembe das coletivas, sem o sono que
confunde a mente no segundo tempo do jogo pós-novela.
Para alguns, o aniquilamento que se
viu no Mineirão não foi o bastante. A CBF, por exemplo, acena com a possível
manutenção da comissão técnica da seleção. Talvez a cavalar dose de absurdo
contida nesse posicionamento advenha justamente da patente necessidade de
mudança − se aceita a obviedade ululante, a entidade avaliza o clamor por uma
reestruturação cujo principal alvo seria ela própria. Então, melhor fingir que
não entendeu o que se passou. Está tudo bem. Temos os melhores jogadores. Um
técnico vencedor, rei do mata-mata. Estaduais invariavelmente aprovados pelos
presidentes das federações. Árbitros preparados, estádios confortáveis. Um
reles resultado adverso não pode estragar um trabalho de anos e anos. Muitos
anos. Décadas.
Ainda não dá para saber se tal
cinismo prevalecerá ou se as pressões da opinião pública demoverão os
detentores do poder. No segundo caso, as discussões acerca do perfil de quem
deve assumir a seleção têm espaço importante na pauta de reformulações. Já
passou da hora de o Brasil voltar a praticar, num Mundial, o que dele se
espera: um futebol envolvente e contagiante, munido de recursos diversificados,
apuro tático, criatividade, fluidez. Portanto, a escolha de um novo técnico
deve se coadunar com essa necessidade. A gente não quer só taça erguida. A
gente quer taça erguida, fruição e arte.
Apesar dos recentes títulos de
Brasileiro, Libertadores e Mundial, credenciais significativas para um
postulante ao cobiçado cargo, Tite não parece ser o homem talhado para fazer
uma equipe jogar um futebol vistoso, com pitadas de encantamento. Muricy
Ramalho e Abel Braga também têm boas coleções de conquistas, mas esbarram na
mesma limitação. O problema de Luxemburgo é distinto: alguns dos times por ele
comandados encheram os olhos, como convém aos grandes esquadrões, mas o elixir
que ele fabricava escorreu por algum ralo há cerca de 10 anos.
Descartados os figurões do ofício,
sobram a alternativa estrangeira ou a aposta em um nome menos badalado do
circuito nacional. A primeira opção entre os forasteiros seria, claro,
Guardiola, mas talvez ele não deseje abandonar o Bayern a curto prazo, e a
questão é urgente (para todo o país, menos a CBF). Afora Pep, não haveria
tantas soluções vindas do exterior. Embora Mourinho pudesse causar impacto, o
tipo de jogo por ele proposto não satisfaria a sede de fascínio do brasileiro
que realmente gosta de futebol.
Entre os técnicos brasileiros sem
tanta grife, Marcelo Oliveira preenche as exigências do atual momento
histórico. Ele poderia ser o elo entre a intimidade com o futebol moderno e a
estima pela magia do passado. Magia presente num certo Brasil 8x0 Bolívia de 14 de
julho de 1977, que qualificou a seleção para a Copa do ano seguinte. Essa
foi a mais importante das sete partidas de Marcelo pela seleção, e ele assinalou
o último gol. A assistência foi de Reinaldo, de calcanhar. O atual técnico do
Cruzeiro acabou não sendo chamado para o Mundial da Argentina. Vejamos por que
ele atende aos requisitos para ir ao da Rússia:
1- Marcelo sabe
selecionar
As convocações das últimas Copas
foram bem problemáticas. Este já é o segundo Mundial seguido em que o técnico
olha para o banco e fica desolado. No Cruzeiro, a situação é oposta: Marcelo
encontra entre os reservas um farto rol de substitutos à altura dos titulares.
Isso se dá graças à sua habilidade para indicar contratações. Enquanto outros
técnicos incham o elenco apontando vários medalhões decadentes que, depois de poucos
meses sem brilho, ficam encostados, Marcelo consegue, com o olho clínico de
quem trabalhou em categorias de base, prover ao time as peças certas. Ricardo
Goulart, Éverton Ribeiro e William, que se entenderam muito bem em 2013, são
ótimos exemplos disso. Os três se revezaram com os veteranos Dagoberto, Borges
e Júlio Baptista, numa mescla equilibrada que proporcionou ao Cruzeiro seu mais
importante troféu recente. É simples: selecionador precisa saber selecionar. E Marcelo
sabe.
2- Marcelo é sereno
Chega de treinadores
beligerantes. As entrevistas coletivas se transformam em combates verbais
repletos de estocadas, alfinetadas, ironias e desconfiança mútua. A seleção
anseia por um técnico que não necessite de inimigos. Nem na imprensa, nem na
arbitragem. Um técnico que poupe suas energias para criar estratégias, examinar
os oponentes, incrementar o jogo de sua equipe. Marcelo se encaixa nesse
perfil. Seus depoimentos, mesmo em circunstâncias estressantes, costumam ser tranquilos
e lúcidos.
3- Marcelo aprecia o
futebol bem jogado
“Nosso time é calculista, mesmo”, disse Muricy ao
fim de Botafogo 0x2 São Paulo, partida crucial do Campeonato Brasileiro de
2007. Era o auge do Muricybol, “método” vencedor e chatíssimo. O Corinthians de
Tite e o Fluminense de Abel também não eram agradáveis de se ver. A medonha
inclinação dos campeões brasileiros para um futebol feioso deu uma pausa no ano
passado, quando o Cruzeiro, sob a batuta de Marcelo Oliveira, fez exibições
empolgantes. Das 20 equipes da Série A de 2014, a da Raposa é talvez a única
que não fica refém da correria ou do chuveirinho, pois se sente à vontade para
tabelar pelo meio e cria espaços para o arremate de longa distância. Marcelo
valoriza o casamento de estilos individuais, e o que se vê em campo é um
conjunto entrosado, harmonioso. O Coritiba de 2011 também contava com essas
valências.
4- Marcelo aplicou
6 em Felipão
Na Copa do Brasil de 2011, o Coxa esmagou o
Palmeiras, no Couto Pereira. Quatro gols no primeiro tempo e mais dois no
segundo decretaram a segunda pior derrota de Scolari em sua carreira de
treinador.
5- Marcelo está em
alta
Futebol é momento, diz o axioma.
Assim como os jogadores, técnicos têm fases. Em 2010, Dorival Júnior vinha de
trabalhos bem-sucedidos em grandes clubes e montou um Santos cintilante. Fazia
sentido, à época, cogitá-lo para a seleção. Ele estava com confiança. Hoje, ninguém
pensaria em indicá-lo. Marcelo Oliveira está em alta há alguns anos. Deve-se
aproveitar a fase boa de um técnico competente. É mais sensato do que pinçar um
novato com fama (como Falcão e Dunga) ou jogar as fichas num expoente
ultrapassado.
Salve, Rafael!! Tudo bem?! É o Carlos, que trabalhou contigo em Realengo. Vou tentar aparecer aqui com frequência para dialogar contigo sobre futebol. Forte abraço!
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